Hoje faz 45 dias da realização deste sonho, participar de um Paris-Brest-Paris ou simplesmente “PBP”. Foram 3 anos desde que fiz a primeira prova de longa distância e descobri que gostava dessa modalidade.
Rodrigo Mateus durante a 19º Edição do Paris-Brest-Paris (Arquivo pessoal)
Em 2018 decidi oficialmente que queria fazer o PBP e resolvi fazer a série classificatória de provas em caráter de teste só pra ver se eu era capaz, são 4 provas de 200, 300, 400 e 600 quilômetros. A de 200km foi um sucesso, mas no final da de 300km em abril meu joelho esquerdo começou a doer insuportavelmente, concluí pedalando os últimos 40km apenas com a perna direita, após exames descobri que tenho condropatia patelar nível 3 nos 2 joelhos. Fiz o tratamento e fiquei afastado da bike por mais de 1 mês, retornei aos treinos com poucas esperanças de voltar ao ciclismo de longa distância mas aos poucos fui retomando o ritmo, não fiz a prova de 400km pois o joelho não estava em condições, mas em outubro já me sentia mais confiante e me inscrevi para a prova de 600km.
Foi uma prova duríssima pra mim, muito calor e o dobro da maior quilometragem que já tinha pedalado de uma vez em toda a vida, tive 5 furos de pneu e um rasgo no pneu traseiro faltando 100km que quase me tirou da prova, mas no fim consegui concluir faltando 15 minutos para o tempo limite, concluir essa prova era o que eu precisava para ter confiança de que eu era capaz de ir para o PBP.
Em 2019 precisava fazer novamente as 4 provas (200, 300, 400 e 600km) num período de 5 meses para ser classificado para o PBP , das 4 provas a mais difícil foi a única que eu ainda não tinha feito, a de 400km. Errei na quantidade de água, fiquei sem agua por mais de 20km no sol de 13h, passei mal, parei por 3 horas para me recuperar mas consegui concluir dentro do tempo limite.
Já classificado para o PBP, iniciei um treinamento mais intenso nos últimos 2 meses que antecederam a prova, diminui 8kg do meu peso neste tempo.
Rodrigo percorrendo o interior da França (Arquivo pessoal)
Vamos para o que interessa, Paris – Brest – Paris!
Depois de uma saga para encher os pneus tubeless quando montei a bike em paris e descobri que a bomba que levei estava estragada, tive que me contentar em colocar câmaras nos pneus e encher com uma bomba de C02 que comprei na Decathlon. Fui para a largada. Em 2019 foram 6660 ciclistas inscritos, as largadas eram de 15 em 15 minutos em pelotões de aproximadamente 300 ciclistas. Larguei as 19:15 do dia 18/08 no pelotão N com tempo limite de prova 90 horas, distância 1226km. Fato interessante, era fim do verão na Europa então os dias são bem mais longos, o sol se punha em torno de 21:45 e voltava as 6, lá pras 21:30 no km 45 meu primeiro furo de pneu, quebrei uma espátula de tirar pneu, fiquei só com uma, terminei de montar o pneu já era noite, por sorte esse foi o único problema mecânico em toda a prova, a bike funcionou feito um relógio.
A cada vilarejo que passava as pessoas estavam nas ruas acenando, incentivando com um “allez allez allez” e aplaudindo, muitas crianças e idosos, as crianças ficam na beira da estrada com as mãozinhas esticadas esperando que os ciclistas passem tocando nas mãos delas, e quando fazemos isso, elas ficam empolgadíssimas, foram aproximadamente 180 vilarejos pelo percurso, vilas de mais de 1000 anos, casinhas de pedra, uma igreja e uma praça e sempre as pessoas nas ruas aplaudindo e incentivando, uma em especifico até me assustei, devia ser umas 3 da manhã, eu estava sozinho, no escuridão do nada ouço um “allez!!” olhei pra esquerda e vi uma senhora na janela de uma casinha à luz de velas incentivando. Muitas famílias colocam uma mesa na porta de casa com bolos, pães, chocolate, café, refrigerante, água e sucos e ficam lá o dia inteiro servindo os ciclistas na maior alegria, isso é sensacional, a população francesa respira ciclismo, parei em várias dessas casas durante a prova.
Durante a prova existem pontos de controle (PCs) obrigatórios, onde você para e carimba o passaporte da prova, para comprovar que estava no percurso, nestes PCs sempre tinha comida, água e sucos com preços quase simbólicos, todos envolvidos na prova são voluntários, mais de 2000 pessoas no total, todos sempre solícitos e sorridentes.
Pedalei a primeira noite inteira sem dormir parando apenas nos PCs, o frio chegou a 5 graus nesta noite, dia seguinte foi tranquilo (19/08), cochilo no almoço e pé na estrada, segunda noite foi terrível em uma área de montanha chegando em Brest, umas 3:40 da manhã a temperatura chegou a 3 graus tive que parar em uma descida pois a tremedeira não estava me deixando andar em linha reta, nunca torci tanto pra ter uma subida pra fazer força e me esquentar um pouco.
Com umas 30 horas de prova o sono começou a apertar, mas eu já estava muito perto de Brest, que era onde eu planejava dormir dei umas pescadas em cima da bike mas consegui chegar em Brest (km 610). Lá minha namorada Déborah estava com um quarto de hotel quentinho me esperando, às 6:40 da manhã do terceiro dia (20/08) cheguei no hotel, tomei um banho e capotei. Déborah me acordou as 13h com uma bela pizza e uns pães, o cansaço era tanto que parecia que tinha dormido meia hora, comi, tomei outro banho e voltei pra estrada.
Paris-Brest-Paris (Arquivo Pessoal)
Tudo estava indo muito bem até o km 800, o velho joelho esquerdo começou a doer isso já começou a abalar o psicológico “será que essa desgraça vai bichar de novo? será que não vou concluir a prova?” A dor foi piorando e lá pro km 950 ficou muito forte, sorte que a perna girava sem doer, so doía se aplicasse força, então eu fui girando aplicando forca só na perna direita nesse momento eu já tinha pra mim que não concluiria a prova, consegui chegar em Villaines-la-Juhel (km 1020), esse PC foi muito emocionante, entrei na cidade e quando estava me aproximando do PC, a população da cidade inteira estava na beira da pista gritando, aplaudindo, assoviando e agora eram os adultos com as mãos esticadas esperando um toque passei batendo nas mãos das pessoas e desabei em choro parte por achar que não conseguiria terminar, parte pela emoção de ter chegado até ali e poder viver tudo aquilo, sentei num meio-fio e ali chorei por alguns minutos pensando o que fazer, só faltavam 200km mas a dor era insuportável me alimentei, consegui um analgésico com outros brasileiros que encontrei no PC e decidi seguir adiante.
Eu ainda tinha 18 horas pra fazer esses 200km tempo mais que suficiente pra fazer mesmo bem devagar, decidi seguir em ritmo bem fraco, forçando só a perna direita, eu ia terminar nem que fosse empurrando a bike.
Saí do PC estava anoitecendo não lembro as horas e fui no meu ritmo perneta, parei pra dormir na porta de uma loja no meio da noite por uma hora logo apareceram outros e deitaram ali perto também. Voltei pra estrada e segui poupando a perna esquerda, a pedalada com força desigual começou a refletir em dores no pescoço e braços. Aos poucos fui aumentando a força na perna esquerda testando o nível de dor e vi que estava diminuído.
Faltando 100km não sei se a vontade de chegar era tanta que o joelho deu uma melhorada considerável e conseguia pedalar mais tranquilamente, nesse momento a cabeça já não funciona muito bem, já estava no quarto dia pedalando (22/08) já tinha perdido a noção de tempo e onde eu estava, me peguei pensando em comer num restaurante italiano de Planaltina quando chegasse no fim da prova, depois que caiu a ficha “caceta, eu tô na França!”.
Cheguei em Dreux, ultimo PC faltavam só 40 e poucos KM e eu ainda tinha 5 horas de prova essa hora finalmente eu me tranquilizei e segui o caminho, rapaaaaaz esses 40 km pareceram 500, olhava pro Garmin o tempo todo e a km não mudava!
Cheguei em Rambouillet com 87h 40min fim de prova sonho realizado e na cabeça só pensava “nunca mais!!”. Dia seguinte já estava pensando na prova de 2023 hehehehe.
Rodrigo Mateus – Finalista do PBP 2019
Brazucas no PBP: A jornada de 1.200 km do Rodrigo Matheus no Paris-Brest-Paris 2019
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Mto bom o seu relato, Rodrigo. Lembrei de muitas passagens e do seu perrengue, realmente ficamos preocupados com vc. Parabéns!!!