Paris-Brest-Paris, le retour du Jedi

Nossa primeira participação no PBP – Paris-Brest-Paris em 2015, foi bastante complicada, causou muitas lesões, traumas e trouxe grandes aprendizados. Fiquei os 4 últimos anos remoendo sobre a prova, pra mim tornou-se uma questão de honra concluir a prova com a mesma tandem. Por isso, fiz algumas modificações estruturais corrigindo problemas de geometria e troquei componentes, na véspera também mudei minha série de treinamento focando em grupos musculares específicos para a sobrecarga na direção da tandem.


PBP 2019 - paris-brest-paris - eq tripedal - darley cardoso e julia heide de tandem em rambouillet
Largada do PBP – Paris-Brest-Paris em Rambouillet (Tripedal.net)

Mesmo com toda a preparação, quanto mais a prova se aproximava mais apreensivo eu ficava, apareciam dúvidas sobre o treinamento (se subimos o suficiente, se estava com o condicionamento pior que há 4 anos, etc). Por outro lado, ganhamos experiência, pensamos melhor nos detalhes, estudamos e pesquisamos muito.

Coletânea de imagens da equipe no PBP 2019 (Youtube/tripedalnet)

Até que chegou o dia da prova, finalmente iriamos testar toda essa preparação, estratégias e adaptações. Durante a prova, me senti bem, as subidas que nos amassaram da ultima vez, foram atropeladas… fizemos força para passarmos rápido e sem tomar conhecimento delas. Os treinamos na academia também funcionaram, além de ajustes de fit, componentes e acessórios, não senti dor no trapézio, os dedos não ficaram dormentes por tensão do nervo ulnar, etc. Obviamente, teve o desgaste físico agravado pelo frio, no ultimo dia eu estava sentindo dores no joelho, tornozelo, mãos, etc. Mas inevitáveis devido as condições que passamos nos dias anteriores.

O frio castigou muito, pegamos mínima de 5 a 7 graus, com a sensação térmica agravada nas decidas e quando estava com vento nas serras e florestas. Felizmente desta vez estávamos bem preparados, os trajes térmicos funcionaram bem, haviam os sacos de dormir para os cochilos no topo das montanhas, etc. Claro que sofri muito com o frio, principalmente quando parávamos por algum motivo, como carimbar passaporte ou alimentar, retornar a pedalar era difícil… Por isso, usei a estratégia de comer e dormir ao relento, para evitar ficar nos ambientes quentes e depois ter que voltar para o frio, afim de evitar o choque térmico.

A parte noturna é sempre a pior pra mim, acho muito arriscado lidar com o sono e o frio depois que o corpo já está muito debilitado no trânsito. Esta é a parte que mais questiono quando penso nesse tipo de prova.


PBP 2019 - paris-brest-paris - eq tripedal - darley cardoso e julia heide de tandem
Rumo a Brest (Tripedal)

A Júlia se saiu muito bem, foi mais segura e acredito que também tenha aproveitado mais a prova, teve um momento que ela fraquejou, claramente não queria continuar, estava criando empecilhos e teve alguns delírios, causando atrasos que nos deixou no limite do tempo. Felizmente ela recuperou a consciência e seguimos em frente. Neste tipo de prova, todos tem bons e mals momentos de rendimento, é normal devido ao desgaste. O problema em uma tandem é a necessidade coordenação e cooperação. Se um não está bem compromete o rendimento e sobrecarrega o outro, e se os dois não estão bem o barco afunda. Por sorte, nossos mals momentos não se encontraram, de modo que um pôde motivar o outro.

A tandem foi um caso a parte, todos os ajustes e adaptações foram fundamentais para o desempenho da bike e sairmos da prova sem lesão. Claro que nem tudo foi perfeito, ela quebrou uns 20 raios durante a prova, ficamos conhecidos pela maioria dos mecânicos nos PCs. Teve os que fizeram um bom serviço e cobraram barato, teve os que resolveram e nem queriam cobrar, os que enfiaram a faca… Pra piorar o câmbio traseiro também começou a desmanchar, e só 3 marchas estavam funcionando bem a 2a, a 5a e a 8a, as outras funcionavam com falhas e as vezes até o Cog funcionou pra dar esperança, mas na maioria das vezes a nossa cadência era quebrada pelos saltos das marchas, as vezes jogava pra fora e não voltava pelo passador, nos obrigando a parar pra soltar a corrente.

Fora esses problemas, nossa tandem rudimentar no meio das gringas foi motivo de atenção e carinho pelos franceses. O fato dela ser pesada, com toda bagagem que carregamos e apesar disso colocarmos um ritmo junto com os outros, as vezes mais rápidos… deixaram os amantes do ciclismo curiosos, ganhamos torcedores e fizemos alguns amigos por isso.

Na volta de Brest, em Fougéres, encontramos com o brasileiro Osmar, que apareceu na hora e no lugar certo, pois despachamos parte da nossa bagagem que não iriamos mais usar por ele, e assim ficamos um pouco mais leve pra continuarmos o percurso.


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O retorno da dupla de brasileiros na tandem (Tripedal)

O retorno a Villaines foi um momento inesquecível, no PBP passado foi onde nós chegamos arrastando e paramos devido as lesões e demais problemas pra continuar. Desta vez, chegamos inteiros no auge da festa, com música, torcida, a Júlia fez dancinha quando passamos no pórtico de chegada, a torcida foi ao delírio, teve mensagem de amor e carinho. Memorável a nossa volta por cima, e revigorante para seguirmos em frente e fechar a prova, que a partir deste limite mudou o clima entre os participantes, que já ficavam mais falantes e empolgados, que reconheciam o nosso uniforme e nos motivavam.
Inclusive, quando criei o uniforme, busquei um conceito temático voltado para a prova e também de alguma forma homenagear os amigos de regiões pobres do DF que voluntariamente me procuraram, dizendo: “nós gostaríamos de apoiar mas não temos condições, queremos contribuir e estar presentes com vcs de alguma forma, então deixa a gente lavar a sua bicicleta ou ajudar de alguma forma, nos sentimos representados por vocês, é um motivo de orgulho o que estão fazendo”. Isso foi muito tocante pra mim, e me fez buscar como referência no tema da escola de samba da Mangueira desse ano o símbolo e slogan “índios, negros e pobres”. Pois é quem somos e representamos, e como a Europa também está passando por atribulações ideológicas, trouxe também o ideal da revolução francesa: “liberdade, igualdade e fraternidade”. O que causou elogios e mais carinho entre os franceses, principalmente com o pessoal da organização nos Controles, Fiscalização e Batedores, que começaram a elogiar o uniforme e levantar questões maiores a respeito do evento de ciclismo como exemplo de convívio entre diferentes povos e culturas, pena que não havia tempo para filosofar com eles, o jeito foi deixarmos postais temáticos com nossos contatos e seguirmos em frente.


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Retorno a Paris/Rambouillet (Tripedal)

Os 200 km finais da prova foram os mais difíceis pra mim devido ao desgaste, um trecho com muita altimetria no frio que baixou o nosso ritmo, causou muita dor nos meus joelhos e tornozelos. E para chegarmos antes do corte nos PCs foi preciso nos esforçarmos muito, o que piorava nossa condição física. Felizmente nos últimos 100 a 50 km, quando estávamos fazendo sprints pra tentar diminuir a dor (Sabe quando vc sente tanta dor que adormece, era isso que eu tentava fazer e ao mesmo tempo manter um ritmo que nos deixasse em condições de fechar a prova com alguma margem de segurança para problemas mecânicos). Eis que aparece novamente o Raniel (Ele com suas boas vibrações havia aparecido antes logo que saímos de Fougéres rumo a Villaines em um momento que a Júlia estava com muito sono e estávamos prestes a parar um pouco, conversou conosco, o que distraiu e ajudou a despertar a Júlia), então pegamos o seu vácuo ate fechar o ultimo PC dentro do tempo e saímos com uma margem pra finalmente concluirmos a prova.
Darley Cardoso – F068
 

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