Bicicleta, Feminismo e Liberdade

O uso da bicicleta deu liberdade de deslocamento para as mulheres, permitindo que fossem sozinhas de um lugar ao outro, e ajudou a mudar o vestuário que limitava seus movimentos.

Wheels of Change
Wheels of Change

Liberdade é a palavra que melhor define a bicicleta. Antes do final do século XIX, as mulheres dependiam da anuência e ajuda dos homens para tudo, inclusive para levá-las onde desejavam ir. No entanto, americanas e europeias começaram a se locomover conforme sua vontade e disposição, conquistando autonomia. Passaram então a circular mais pelo espaço público, a ir mais longe e a se reunir com outras mulheres sem a presença de homens, fosse para discutir e trabalhar pelos seus direitos ou apenas para se divertir.

Naquela época, médicos como o francês Phillipe Tissié afirmavam que pedalar faria mal às mulheres, podendo causar até esterilidade feminina. Outros afirmavam que a bicicleta seria indecente, porque traria prazer pela “fricção nas partes íntimas”. Talvez fosse uma argumentação criada em torno da recusa em aceitar que as mulheres conquistassem essa autonomia, mas felizmente já havia quem defendesse seu uso, como o também francês Ludovic O’Followell, que afirmava que pedalar fazia bem à saúde feminina.

How bicycles boosted the women’s rights movement (Vox)

As americanas e francesas foram as pioneiras no uso da bicicleta. Essa liberdade pessoal chegou em um momento em que as mulheres iam à luta por seus direitos, especialmente ao voto, à propriedade e a assinar contratos, e as feministas apoiaram a novidade.

Elizabeth Staton, que trabalhou com Susan Anthony pelos direitos das mulheres por mais de 50 anos, chegou a dizer que “a mulher está pedalando em direção ao sufrágio”. Maria Pognon, presidente da Liga Francesa de Direitos da Mulher, afirmava que a bicicleta era “igualitária e niveladora”, ajudando a “libertar o nosso sexo”.

Susan Anthony quoteAndar de bicicleta fez mais pela emancipação da mulher do que qualquer outra coisa no mundo” Susan Anthony, feminista americana que lutou pelo Direitos das Mulheres no final do século XIX

Como consequência da vontade e da necessidade de usar a bicicleta, as mulheres conseguiram se libertar também das vestes que as sufocavam. Grandes saias, que pesava e limitavam seus movimentos, e espartilhos apertados, que machucavam seus corpos, foram substituídos por roupas mais leves e justas, como os spencers (uma adaptação do casaco masculino usado à época) e as calças bloomer. Lançadas em 1850 por Amélia Bloomer, aliada de Susan Anthony e Elizabeth Staton, editora do primeiro jornal voltado às mulheres, as calças largas lembravam um pouco as saias, mas permitiam um uso mais confortável da bicicleta e facilitavam até o caminhar.

A imagem da bicicleta ficou ligada à figura da New Woman nos Estados Unidos, o conceito de mulher que contestava os papéis tradicionais e se envolvia com o ativismo, reivindicando principalmente o direito de voto.

Wheels of change
Wheels of Change

A bicicleta como agente de revolução social, trouxe às mulheres liberdade de movimento e de deslocamento, direta e indiretamente, deixando um legado que se estende aos dias de hoje. E já estava, há mais de um século, situada em meio a lutas e conquistas de direitos e liberdades, acompanhando quem lutava por uma sociedade mais justa e igualitária.

Dica de vídeo

Cena do seriado The Knicks, que mostra uma mulher e sua bicicleta no início do século XX (Daily Motion)

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Referências

• “Livres para Pedalar”, de Victor de Melo e André Schetino, na Revista de História da Biblioteca Nacional, nº 57.
• “Recônditos da Vida Feminina”, de Mariana Maluf e Maria Lúcia Mott, em História da Vida privada no Brasil, vol.3.
• “A bicicleta como ferramenta de emancipação da mulher”, por Willian Cruz, em Vá de Bike (www.vadebike.org)

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