Herói Bandido

Sabe-se que a vida de atleta no Brasil não é fácil, ainda mais quando se trata de modalidades de ciclismo. Não temos infraestrutura, não somos benvindos no trânsito, nossas bicicletas são mais valiosas para os bandidos do que nossas vidas, equipamentos e suplementos são caros e sobretaxados, há uma grande pressão burocrática institucionalizada, reserva de mercado, entre outros fatores que prejudicam o desenvolvimento do esporte.

Héroi Bandido
Maria Bonita na garupa do Lampeão – Ilustração autoral (Arquivo Pessoal)

E para que um atleta possa se desenvolver, ele deve participar de competições internacionais, assim poderá vivenciar de perto o ritmo de outros competidores, os equipamentos que utilizam, suas técnicas, ver como outros países lidam com o esporte.

Desse modo, nos aventuramos em uma prova de longa distância em estrada na França, a mais tradicional do mundo – A Paris-Brest-Paris – já que nenhum brasileiro havia participado da prova na categoria tandem até esta edição.

Após todo o processo de montar o equipamento, treinamento, inscrições, qualificação, manutenção, busca de apoio e patrocínio, nadando contra a correnteza, partimos para o nosso desafio do outro lado do atlântico.

Chegando na França, de imediato fomos bem recebidos, desde a imigração, aos habitantes locais, equipes de prova, apoio e demais participantes. Por onde passamos fomos tratados como heróis, bem recebidos, encorajados, admirados. No trânsito, os motoristas nos respeitavam, sempre dando a preferência, evitando ultrapassagens, preservando nossas vidas. Pelas cidades que atravessamos, nosso equipamento era sinônimo de espanto e curiosidade, assim como a nossa nacionalidade.

O choque de realidade aconteceu na prova em si, onde os participantes andam em um ritmo muito superior ao que conhecemos, em condições extremas de temperatura e de altimetria, condições que nunca havíamos treinado no Brasil. Uma troca de experiências fundamental para o nosso aperfeiçoamento, motivadora e esclarecedora.

Fomos os primeiros brasileiros a participar da prova de tandem, e os recordistas sul-americanos na categoria, com o tempo de 72h no percurso de 1.008km de Paris-Brest-Villaines.

Nossa presença e conquista foi sinônimo de elogios ao país, por parte da organização da prova, autoridades francesas e pelo consulado.

De volta ao Brasil, de mocinhos viramos bandidos, já na imigração um agente com cara de poucos amigos aponta para a fila aos gritos, na alfândega, sou direcionado para uma sala, minhas malas e a bicicleta passam por um raio X, um agente saí arrastando o mala bike sem se preocupar em danificar o meu equipamento, sou interrogado sobre o que estava fazendo com a bicicleta, insistem em ver se ela era nova e eu digo que tenho a nota do Brasil e apresento, a inquisição continua, querem saber onde eu fui, porque estava lá e por quanto tempo.

Depois de esgotadas as perguntas de uma das agentes sobre a bicicleta, chega um terceiro agente, recomeça o interrogatório agora em relação a segunda mala, onde entre as roupas sujas haviam alguns suplementos que sobraram da prova, dentre eles um pequeno pote de pasta de amendoim, motivo de indignação e discussão entre os agentes, falei para o agente da vez que eu havia comprado os suplementos no Brasil porque apesar de inferiores aos europeus, eram mais baratos. Mas o homem estava irritado com aquilo, devia ser alérgico a amendoim.

Depois de muita humilhação outro atleta desembarca de um voo internacional e pega a fila da alfândega, então eles resolvem me liberar para irem brincar com a cara do outro. Uma vez que o critério para a seleção do próximo a ser subjugado é o fato de estar transportando uma bicicleta. Acredito que eles pensam como eu: que a bicicleta é uma poderosa arma de mudança social, com poderes que vão além do simples exercício de pedalar, possuindo uma forte capacidade de transformar o indivíduo e sua relação com a cidade e com a sociedade. Ou então, para os agentes do estado deve apenas sinalizar que ciclistas são indivíduos de alta periculosidade: comedores de géis e pastas de amendoim.
Com as boas vindas dadas, já me preparo para o treino de amanhã, de volta às ruas, atento para as fechadas dos motoristas, buracos na pista e assaltantes. Afinal, apesar do nosso resultado histórico no esporte brasileiro e para o ciclismo sul-americano, já ficou claro que aqui não somos benvindos.
 

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Estas são as principais empresas que apoiaram a nossa equipe no Paris-Brest-Paris 2015

Chicos Bike
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Associação Recreativa dos Correios
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Arcanjo Alimentos
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Cleuton Designer

        

          

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