“A vida começa no final de sua zona de conforto”
Em um cenário com todo tipo de adversidades a Brasil Ride cobra de quem quer ser um finisher o preço de estar constantemente fora da sua zona de conforto. Endurance combinada com qualidade técnica, força de vontade e resistência a dor, estratégia e ação, companheirismo e determinação, fazem parte das características que devem ser desenvolvidas a cada etapa para resistir ao terreno, ao calor e ao apertado limite de corte. A maior ultramaratona das américas nos faz rever conceitos e a nossa relação com o mountain bike e com o mundo. Pra quem completou, ela realmente tornou-se uma etapa de nossas vidas, um conjunto de experiências, sentimentos e valores que provavelmente só quem passou por este tipo de prova compreenderá. Abaixo deixo um conjunto de pequenos relatos que fiz no dia-a-dia da ultramaratona e meus sinceros agradecimentos.
Stage 1: Prólogo
Hoje fui protegido e salvo pelos meus parceiros de equipe, tenho muita sorte de estar com pessoas tão fortes e incríveis. Eu saí colocando um ritmo muito forte na largada, já abrimos do trio que disputava o prólogo conosco, e no primeiro single ultrapassamos mais 3 trios, e o ritmo continuou insano até parte do 3º single quando chegou a areia fôfa que sugou as minhas forças, saí de lá destruído, e fui escoltado por meus parceiros até o final. Felizmente fechamos entre os top 5, e com isto largaremos com certa vantagem na próxima etapa.
Stage 2: Vietnan
A etapa rainha da Brasil Ride é considerada a etapa mais técnica e dura deste tipo de ultramaratona no mundo. Nela está a famosa trilha do Vietnã, ao todo são 144km com singles técnicos em pedras e areia, com a sobrecarga de 3355m de elevação praticamente no final do percurso. O calor é imenso, a trilha fechada na fenda da serra, sem ventilação e com sol a pino é infernal. Mais uma vez a experiência e a força dos meus parceiros foi fundamental para concluirmos bem a etapa.
Stage 3: XCO
Nenhuma etapa da Brasil Ride é fácil, e a terceira começou com a pica agressiva descendo no dia anterior, quando a Cannondale do meu parceiro fingiu no Vietnã e partiu o quadro. Mas para a nossa sorte, aquele que não finge nunca, e por coincidência é o embaixador da marca no Brasil, nos emprestou uma bike e nós não fingimos, encaramos o XCO e completamos mais uma etapa. Pra mim a brutalidade teve que aflorar de qualquer jeito, pois não sou de XCO. Mas segui os conselhos do mestre Abraão e deu tudo certo.
Stage 4: Areião
Se a segunda etapa do Brasil Ride é conhecida como Vietnã, a quarta deveria ser conhecida como Camboja. Com um downhill super técnico de 10km na mata fervente, e uma subida cascalhada no final de 11km e com boa parte com 15° de elevação, esta etapa castigou muita gente. E não vou fingir, eu sofri, mas sofri muito… Logo no início parti a corrente e tive que tentar recuperar o tempo em um longo trecho de areia que sugou mta energia, depois foram duas quedas no downhill que me deixaram meio grogue, e pra fechar a pica agressiva cascalhada de 2500m de ganho de elevação com o sol de 44° na cabeça. Felizmente a força e experiência dos meus parceiros foram preponderantes para fecharmos a prova dentro do apertado limite (o que poucos conseguiram) e nos manter bem na prova.
Stage 5: Asfalto Verde
Nesta etapa já estava claro como são as etapas principais da Brasil Ride. Onde você pedala na areia fôfa, depois empurra bike em trilhas de pedras, sobe serras com mais de 15º de inclinação, cascalhadas, arenosas e em lajes de rocha vulcânica, desce tudo com muita técnica, carrega a bike mais uma centena de vezes sob o sol de mais de 40º, e no final tem sempre uma serra para escalar, esta geralmente entre 5 a 11km ininterruptos de subida escaldante. E foi assim durante todo o percurso, até que no final meu radiador ferveu por volta de 70km percorridos quando paramos em um tipo de bar abandonado, mergulhei em uma torneira e fiquei na sombra por alguns minutos para recuperar as forças e seguimos para encarar a última subida da Serra das Almas, mais uma vez nós conseguimos manter a nossa posição jogando limpo em uma etapa que algumas equipes “abandonaram” seus membros e outras receberam ajuda externa.
Stage 6: A volta
Na minha estratégia de prova, esta seria a etapa que eu deveria atacar com maior força, seria a chance de compensar os meus parceiros e ajudá-los a chegar ao merecido pódio. Mas as etapas anteriores me castigaram muito, o calor foi terrível, e os trechos técnicos exigiam muita concentração e força, além do desgaste do equipamento. Por isso, resolvi ter cautela nesta etapa, afinal se completássemos esta etapa já seríamos praticamente “finishers”, e nosso tempo de prova era estável com boa vantagem para as outras equipes. Então larguei na roda do Márcio, obdecendo o ritmo dele por boa parte da prova. Depois o Marcelão começou a impor o seu ritmo e seguimos fazendo força morro acima, neste dia eu entendi a importância das pausas de resfriamento, houve uma parte técnica por volta dos 100km que senti o acumulo dos dias de prova e meu ritmo caiu até que finalmente chegamos no penúltimo P.A., onde fomos recebidos pelo Coronel Troitman (Ronaldo Tora) com isotônico e água gelada, depois de revigorados encaramos a subida da serra de 5km, formamos o nosso pelotinho e colocamos o passo no estradão de areia e nos últimos km de asfalto com vento contra até a chegada em Mucugê.
Stage 7: Pivôs / Maratona
Depois de muito sofrer em cima da bike nos últimos dias a etapa de hoje foi revigorante, um verdadeiro passeio na chapada, com singles fluídos e muito rápidos. A paisagem maravilhosa e o clima ameno, ajudaram muito. Como também era o dia da maratona da Brasil Ride e do XCM do Campeonato Bahiano de MTB, seriam mais 1500 atletas e ciclistas amadores na trilha, tudo junto e misturado, eles com as perninhas novas e nós com 600km percorridos e mais de 12.000m de elevação acumulados até a 7ª etapa. Nossa estratégia foi sair torcendo o cabo para evitar o congestionamento, eu estava muito bem nesse dia e já parti em um dos primeiros pelotões, resolvi ficar no segundo pelotão pois havia um GoOn puxando, parecia ser o Juninho pelo capacete, então fiquei nele com os meus parceiros. Entramos no estradão como se estivéssemos no asfalto, o ritmo era insano. Ao entrar nos singles um galho ficou preso na bike e tive que parar para retirá-lo, com isso perdi o pelotão mas segui em um ritmo forte até reagrupar com meus parceiros e formamos um novo pelotão, com mais umas 10 duplas, fomos puxando com cuidado porque ninguém queria colocar a cara no vento para nos ajudar, foi assim até o início do single, quando o grupo se dividiu e comecei a apertar para evitar que o estouro da boiada do XCM nos alcançasse, o percurso foi incrível com uma média de 35km/h na trilha, no final nossa equipe reagrupou e seguimos escalando até o final da etapa, controlando o ritmo para completarmos a prova com êxito e mantendo a nossa posição.
Gratidão
Sou muito grato aos meus parceiros, Marcelo de Assis e Márcio Monteiro, pela paciência, compreensão, companheirismo, instruções, estratégias e pela força que me deram em todas as etapas. Sinto não poder ter feito mais por uma equipe tão forte e coesa. Também sou muito grato à minha fiel escudeira, Júlia Heide, pelo apoio incondicional e por toda a ajuda tanto a mim quanto a equipe Go On. Gratidão sem fingimento também ao Brou Bruto Drews, que abriu mão do seu conforto e com toda generosidade emprestou a bike para o Marcelão completar as etapas. Agradeço aos mestres Abraão Azevedo e Ronaldo Tora pelas instruções e treinos. Aos amigos da Equipe GoOn, Luiz Eugênio e Juninho, a todos os amigos que treinaram comigo durante todo ano de preparação nos coletivos Tripedal, RSD Esportes e Chicos Bike. E as empresas que nos apoiaram neste desafio.
Essa eu dedico ao meu pai, que sempre me apoiou nas minhas aventuras de bike por mais insanas que fossem. Desde a 1ª bike, do BMX ao Mountain Bike, ele foi a minha primeira equipe de apoio, e até hoje continua me ajudando qdo transformo sua casa em uma oficina, rsrsrs 😉
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Sempre confiei em você Darley, sabia que terminaria essa ultra maratona, depois do primeiro dia, se fosse outro nao voltaria..você foi de uma fibra impressionante, nos que agradecemos sua companhia, e pode ter certeza aprendemos muito com você tambem…