Nossa primeira participação no PBP – Paris-Brest-Paris em 2015, foi bastante complicada, causou muitas lesões, traumas e trouxe grandes aprendizados. Fiquei os 4 últimos anos remoendo sobre a prova, pra mim tornou-se uma questão de honra concluir a prova com a mesma tandem. Por isso, fiz algumas modificações estruturais corrigindo problemas de geometria e troquei componentes, na véspera também mudei minha série de treinamento focando em grupos musculares específicos para a sobrecarga na direção da tandem.
Largada do PBP – Paris-Brest-Paris em Rambouillet (Tripedal.net)
Mesmo com toda a preparação, quanto mais a prova se aproximava mais apreensivo eu ficava, apareciam dúvidas sobre o treinamento (se subimos o suficiente, se estava com o condicionamento pior que há 4 anos, etc). Por outro lado, ganhamos experiência, pensamos melhor nos detalhes, estudamos e pesquisamos muito.
Até que chegou o dia da prova, finalmente iriamos testar toda essa preparação, estratégias e adaptações. Durante a prova, me senti bem, as subidas que nos amassaram da ultima vez, foram atropeladas… fizemos força para passarmos rápido e sem tomar conhecimento delas. Os treinamos na academia também funcionaram, além de ajustes de fit, componentes e acessórios, não senti dor no trapézio, os dedos não ficaram dormentes por tensão do nervo ulnar, etc. Obviamente, teve o desgaste físico agravado pelo frio, no ultimo dia eu estava sentindo dores no joelho, tornozelo, mãos, etc. Mas inevitáveis devido as condições que passamos nos dias anteriores.
O frio castigou muito, pegamos mínima de 5 a 7 graus, com a sensação térmica agravada nas decidas e quando estava com vento nas serras e florestas. Felizmente desta vez estávamos bem preparados, os trajes térmicos funcionaram bem, haviam os sacos de dormir para os cochilos no topo das montanhas, etc. Claro que sofri muito com o frio, principalmente quando parávamos por algum motivo, como carimbar passaporte ou alimentar, retornar a pedalar era difícil… Por isso, usei a estratégia de comer e dormir ao relento, para evitar ficar nos ambientes quentes e depois ter que voltar para o frio, afim de evitar o choque térmico.
A parte noturna é sempre a pior pra mim, acho muito arriscado lidar com o sono e o frio depois que o corpo já está muito debilitado no trânsito. Esta é a parte que mais questiono quando penso nesse tipo de prova.
Rumo a Brest (Tripedal)
A Júlia se saiu muito bem, foi mais segura e acredito que também tenha aproveitado mais a prova, teve um momento que ela fraquejou, claramente não queria continuar, estava criando empecilhos e teve alguns delírios, causando atrasos que nos deixou no limite do tempo. Felizmente ela recuperou a consciência e seguimos em frente. Neste tipo de prova, todos tem bons e mals momentos de rendimento, é normal devido ao desgaste. O problema em uma tandem é a necessidade coordenação e cooperação. Se um não está bem compromete o rendimento e sobrecarrega o outro, e se os dois não estão bem o barco afunda. Por sorte, nossos mals momentos não se encontraram, de modo que um pôde motivar o outro.
A tandem foi um caso a parte, todos os ajustes e adaptações foram fundamentais para o desempenho da bike e sairmos da prova sem lesão. Claro que nem tudo foi perfeito, ela quebrou uns 20 raios durante a prova, ficamos conhecidos pela maioria dos mecânicos nos PCs. Teve os que fizeram um bom serviço e cobraram barato, teve os que resolveram e nem queriam cobrar, os que enfiaram a faca… Pra piorar o câmbio traseiro também começou a desmanchar, e só 3 marchas estavam funcionando bem a 2a, a 5a e a 8a, as outras funcionavam com falhas e as vezes até o Cog funcionou pra dar esperança, mas na maioria das vezes a nossa cadência era quebrada pelos saltos das marchas, as vezes jogava pra fora e não voltava pelo passador, nos obrigando a parar pra soltar a corrente.
Fora esses problemas, nossa tandem rudimentar no meio das gringas foi motivo de atenção e carinho pelos franceses. O fato dela ser pesada, com toda bagagem que carregamos e apesar disso colocarmos um ritmo junto com os outros, as vezes mais rápidos… deixaram os amantes do ciclismo curiosos, ganhamos torcedores e fizemos alguns amigos por isso.
Na volta de Brest, em Fougéres, encontramos com o brasileiro Osmar, que apareceu na hora e no lugar certo, pois despachamos parte da nossa bagagem que não iriamos mais usar por ele, e assim ficamos um pouco mais leve pra continuarmos o percurso.
O retorno da dupla de brasileiros na tandem (Tripedal)
O retorno a Villaines foi um momento inesquecível, no PBP passado foi onde nós chegamos arrastando e paramos devido as lesões e demais problemas pra continuar. Desta vez, chegamos inteiros no auge da festa, com música, torcida, a Júlia fez dancinha quando passamos no pórtico de chegada, a torcida foi ao delírio, teve mensagem de amor e carinho. Memorável a nossa volta por cima, e revigorante para seguirmos em frente e fechar a prova, que a partir deste limite mudou o clima entre os participantes, que já ficavam mais falantes e empolgados, que reconheciam o nosso uniforme e nos motivavam.
Inclusive, quando criei o uniforme, busquei um conceito temático voltado para a prova e também de alguma forma homenagear os amigos de regiões pobres do DF que voluntariamente me procuraram, dizendo: “nós gostaríamos de apoiar mas não temos condições, queremos contribuir e estar presentes com vcs de alguma forma, então deixa a gente lavar a sua bicicleta ou ajudar de alguma forma, nos sentimos representados por vocês, é um motivo de orgulho o que estão fazendo”. Isso foi muito tocante pra mim, e me fez buscar como referência no tema da escola de samba da Mangueira desse ano o símbolo e slogan “índios, negros e pobres”. Pois é quem somos e representamos, e como a Europa também está passando por atribulações ideológicas, trouxe também o ideal da revolução francesa: “liberdade, igualdade e fraternidade”. O que causou elogios e mais carinho entre os franceses, principalmente com o pessoal da organização nos Controles, Fiscalização e Batedores, que começaram a elogiar o uniforme e levantar questões maiores a respeito do evento de ciclismo como exemplo de convívio entre diferentes povos e culturas, pena que não havia tempo para filosofar com eles, o jeito foi deixarmos postais temáticos com nossos contatos e seguirmos em frente.
Retorno a Paris/Rambouillet (Tripedal)
Os 200 km finais da prova foram os mais difíceis pra mim devido ao desgaste, um trecho com muita altimetria no frio que baixou o nosso ritmo, causou muita dor nos meus joelhos e tornozelos. E para chegarmos antes do corte nos PCs foi preciso nos esforçarmos muito, o que piorava nossa condição física. Felizmente nos últimos 100 a 50 km, quando estávamos fazendo sprints pra tentar diminuir a dor (Sabe quando vc sente tanta dor que adormece, era isso que eu tentava fazer e ao mesmo tempo manter um ritmo que nos deixasse em condições de fechar a prova com alguma margem de segurança para problemas mecânicos). Eis que aparece novamente o Raniel (Ele com suas boas vibrações havia aparecido antes logo que saímos de Fougéres rumo a Villaines em um momento que a Júlia estava com muito sono e estávamos prestes a parar um pouco, conversou conosco, o que distraiu e ajudou a despertar a Júlia), então pegamos o seu vácuo ate fechar o ultimo PC dentro do tempo e saímos com uma margem pra finalmente concluirmos a prova.
Darley Cardoso – F068
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Parabéns pra essa dupla fantástica, foram os primeiros Brasileiros/Sulamericanos a conseguir a façanha de completar o PBP de Tandem. Se completar já é dificil, imagina de Tandem. Estou torcendo por vcs desde o PBP 2015, e comemorando cada conquista durante a qualificação de vcs na série 2019, trazendo orgulho para os ciclistas do nosso país com tantos recordes. Salve Darley Durden!!!
Obrigado, man (do cross)! Tamo junto, sem palavras… estava engasgado com 2015, precisava acertar essa conta. (•̀ᴗ•́)و ̑̑
Parabéns, superação é o que nos mantém vivos.
Obrigado, Maria Elienai.
sensacionallllllll. vcs são foda!!! e quero uma camisa dessa autografada…
Depois fala das bikes, cheio de bike reclinada, esses torpedinhos ai…que é isso kkkk os caras completaram a prova…??
Fala, Marcelão. Blz!!! Estamos juntando umas fotos de todas as bicicletas especiais com as reclináveis, tandens de 2 e 3 pessoas, strikes e esses carrinhos malucos.. sim, alguns deles completaram as prova, e completaram muito rápido… isso ai voa, atingem os 100km/h nas descidas, fácil.